Transporte marítimo: regras de tráfego e de segurança
Ao longo dos últimos anos, as diretivas e regulamentos da UE melhoraram significativamente as normas de segurança no domínio do transporte marítimo. As melhorias foram introduzidas principalmente por três pacotes legislativos adotados no seguimento dos desastres que envolveram os navios «Erika» e «Prestige».
Base jurídica e objetivos
A base jurídica é o título VI, em especial, o artigo 91.º, n.º 1, alínea c), e o artigo 100.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). A segurança marítima — que visa não só a proteção dos passageiros e trabalhadores marítimos, mas também a preservação do ambiente marinho e das regiões costeiras — constitui um objetivo fundamental da política de transportes marítimos. O âmbito global dos transportes marítimos leva a Organização Marítima Internacional (OMI) a estabelecer normas de segurança uniformes a nível internacional. Os principais acordos internacionais incluem a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (Convenção Marpol), a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (SOLAS) e a Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos (Convenção NFCSQ). Embora a rápida adaptação da legislação da UE, a fim de a manter em conformidade com esses acordos internacionais, constitua um objetivo fundamental da política de transportes marítimos da UE, também são adotadas medidas adicionais a nível da UE.
Realizações
A. Formação e qualificações
A Diretiva 94/58/CE, de 22 de novembro de 1994, relativa ao nível mínimo de formação dos marítimos, transpôs plenamente para o direito da UE a Convenção NFCSQ de 1978. A convenção sofreu revisões consideráveis em 1995 e novamente em 2010, o que implicou revisões correspondentes da diretiva da UE, cuja versão mais recente é a Diretiva 2012/35/UE, de 21 de novembro de 2012. A diretiva especifica os requisitos de formação e de competência para efeitos de obtenção de um certificado de marítimo e regula a formação especializada. Para além disso, aborda as obrigações dos Estados-Membros no que toca à formação dos marítimos, a comunicação entre os membros da tripulação e a verificação dos certificados dos marítimos (inspeção pelo Estado do porto). Inclui igualmente o reforço das medidas de luta contra a fraude a nível da certificação e das normas em matéria de aptidão física e adaptação da formação em matéria de segurança.
A Diretiva (UE) 2017/2397 de 12 de dezembro de 2017, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais na navegação interior e que revoga as Diretivas 91/672/CEE e 96/50/CE do Conselho, prevê uma introdução gradual, através de medidas transitórias para alargar os requisitos de qualificação profissional para além dos condutores de embarcações, por forma a abrangerem todos os tripulantes da navegação interior na UE. A diretiva atualizada impõe aos membros da tripulação de convés e às pessoas encarregadas dos procedimentos de emergência a obrigação de serem titulares de certificados de qualificações. Os condutores de embarcações que navegam em circunstâncias perigosas devem ser especificamente autorizados a fazê-lo e ser obrigados a demonstrar competências adicionais.
B. Equipamentos marítimos
A Diretiva 96/98/CE, de 20 de dezembro de 1996, relativa aos equipamentos marítimos, visou uniformizar a aplicação da Convenção SOLAS ao equipamento dos navios comerciais, tornando vinculativas as resoluções da OMI dela decorrentes. A Diretiva 2012/32/UE alterou a Diretiva 96/98/CE, substituindo o anexo A para o adaptar por forma a ter em conta as alterações mais recentes das convenções internacionais e normas de ensaio aplicáveis. A Diretiva 2014/90/UE, de 23 de julho de 2014, relativa aos equipamentos marítimos, reforça a aplicação e o controlo do cumprimento das normas em questão.
C. Segurança em navios e instalações portuárias
O Código ISPS (Código Internacional de Segurança dos Navios e das Instalações Portuárias), foi aprovado numa conferência da OMI realizada em 2002, juntamente com as alterações a outros acordos internacionais. O objetivo do Código consiste no reforço da proteção de navios e instalações portuárias. O Regulamento (CE) n.º 725/2004, de 31 de março de 2004, visava assegurar a interpretação e a aplicação uniformes das decisões da OMI. A estratégia de segurança marítima da UE foi iniciada através da aprovação pelo Conselho, em 24 de junho de 2014, de um ato político e estratégico que permite responder eficazmente aos desafios em matéria de segurança marítima, através da utilização de todos os instrumentos pertinentes a nível internacional, da União e nacional.
D. Segurança dos navios de passageiros e inspeção de navios
A Diretiva 94/57/CE, de 22 de novembro de 1994, estabelece as regras e os parâmetros comuns para as organizações de vistoria e inspeção dos navios e para as atividades pertinentes das administrações marítimas (sociedades de classificação). A segurança dos navios que prestam serviços regulares entre dois portos da União rege-se pela Diretiva 2009/45/CE, de 6 de maio de 2009, que consolidou e reformulou as regras e as normas de segurança para os navios de passageiros consagradas na Diretiva 98/18/CE. A Diretiva 98/41/CE, de 18 de junho de 1998, relativa ao registo das pessoas que viajam em navios de passageiros, veio permitir o controlo do número de passageiros e o aumento da eficácia das operações de salvamento em caso de acidente. As regras relativas às qualificações mínimas dos marítimos foram atualizadas em 2019 com base numa proposta da Comissão. Após adoção pelo Parlamento e pelo Conselho, a Diretiva (UE) 2019/1159 foi publicada no Jornal Oficial, em 12 de julho de 2019.
Em 2016, a Comissão apresentou três propostas legislativas que foram objeto de votação em 4 de outubro de 2017, em sessão plenária, e publicadas em 30 de novembro de 2017. A primeira diretiva adotada, a Diretiva (UE) 2017/2108, de 15 de novembro de 2017, que altera a Diretiva 2009/45/CE relativa às regras e normas de segurança para os navios de passageiros, visava clarificar e simplificar as regras e normas de segurança para os navios de passageiros, a fim de as tornar mais fáceis de atualizar, acompanhar e fazer cumprir. As alterações à anterior diretiva incluíram a eliminação de referências incoerentes e erradas, novas definições dos diferentes tipos de navios, a clarificação da definição de material equivalente, a exclusão dos navios com menos de 24 metros e a simplificação das definições de zonas marítimas. A Comissão criou também uma base de dados para aumentar a transparência e facilitar a notificação das isenções, das equivalências e das medidas adicionais de segurança. A segunda diretiva adotada, a Diretiva (UE) 2017/2109, de 15 de novembro de 2017, que altera a Diretiva 98/41/CE do Conselho relativa ao registo das pessoas que viajam em navios de passageiros que operam a partir de ou para portos dos Estados-Membros da Comunidade e a Diretiva 2010/65/UE relativa às formalidades de declaração exigidas aos navios à chegada e/ou à partida dos portos dos Estados-Membros, atualiza e clarifica os requisitos em vigor em matéria de contagem e registo dos passageiros e tripulantes a bordo de navios de passageiros. As alterações incluíram a atualização da definição das «zonas portuárias», a fim de incorporar as informações sobre a nacionalidade das pessoas a bordo e obrigar as empresas a conservarem as listas de passageiros e tripulantes numa plataforma nacional única. A terceira proposta levou à adoção da Diretiva (UE) 2017/2110, de 15 de novembro de 2017, relativa a um sistema de inspeções para a segurança da exploração de navios ro-ro de passageiros e de embarcações de passageiros de alta velocidade em serviços regulares, que altera a Diretiva 2009/16/CE e revoga a Diretiva 1999/35/CE do Conselho. Esta atualiza e clarifica os atuais requisitos em matéria de vistoria aplicáveis aos ferries ro-ro e às embarcações de alta velocidade e prevê um sistema de inspeções ligadas aos navios antes do início de um serviço regular, que pode ser combinado com um inquérito anual sobre o Estado do pavilhão.
E. Evolução posterior aos desastres do «Erika» e do «Prestige»
Depois dos acidentes que envolveram os navios «Erika» (1999) e «Prestige» (2002), as normas europeias de segurança marítima foram de novo consideravelmente reforçadas:
1. O pacote «Erika I»
A Diretiva 2001/105/CE, de 19 de dezembro de 2001, reforçou e uniformizou as disposições jurídicas da Diretiva 94/57/CE para as organizações de vistoria e inspeção de navios (ver a secção anterior). Instituiu nomeadamente um sistema de responsabilidade em caso de prova de negligência. A Diretiva 2001/106/CE, de 19 de dezembro de 2001, tornou obrigatória a inspeção pelo Estado do porto para navios potencialmente perigosos e introduziu uma «lista negra» dos navios aos quais pode ser impedido o acesso aos portos da UE.
O Regulamento (CE) n.º 417/2002, de 18 de fevereiro de 2002, fixou um calendário rígido para a retirada de serviço dos petroleiros de casco simples e a sua substituição por navios de casco duplo, mais seguros. Na sequência do naufrágio do petroleiro «Prestige», foi introduzido um calendário mais rigoroso com a adoção do Regulamento (CE) n.º 1726/2003, de 22 de julho de 2003. O Regulamento (UE) n.º 530/2012, de 13 de junho de 2012, relativo à introdução acelerada de requisitos de construção em casco duplo ou configuração equivalente para os navios petroleiros de casco simples, revogou subsequentemente o Regulamento (CE) n.º 417/2002 e pôs termo a determinadas derrogações potenciais nos termos das normas da OMI. Nos termos do referido regulamento, apenas os navios petroleiros de casco duplo que transportem petróleos ou frações petrolíferas pesados podem ser autorizados a arvorar pavilhão de um Estado-Membro e todos os navios petroleiros de casco simples, seja qual for o seu pavilhão, estão impedidos de demandar portos ou terminais no mar sob a jurisdição de um Estado-Membro, ou de fundear em zonas sob a jurisdição de um Estado-Membro.
2. O pacote «Erika II»
A Diretiva 2002/59/CE, de 27 de junho de 2002, prevê a criação de um sistema comunitário de acompanhamento e de informação do tráfego de navios (SafeSeaNet). O operador de um navio que pretenda atracar num porto de um Estado-Membro tem de fornecer previamente diversas informações às autoridades portuárias competentes, particularmente no que se refere a carga perigosa ou poluente. O navio tem de estar equipado com um Sistema de Identificação Automática (AIS) e um Sistema de registo dos dados da viagem (sistemas VDR ou «caixas negras»). As autoridades dos Estados-Membros pertinentes têm o direito de proibir a partida de navios em condições atmosféricas adversas. O Regulamento (CE) n.º 1406/2002, de 27 de junho de 2002, instituiu a Agência Europeia da Segurança Marítima (AESM), cuja missão consiste no aconselhamento científico e técnico dos Estados-Membros e da Comissão e no acompanhamento da aplicação da legislação no domínio da segurança marítima. As suas competências foram consideravelmente alargadas ao longo do tempo, de modo a incluir a luta contra a poluição (assistência operacional a pedido dos Estados-Membros) e sistemas de monitorização através de satélite. O Regulamento (UE) n.º 100/2013, de 15 de janeiro de 2013, alterou o Regulamento que institui a AESM, definindo com maior clareza as suas missões principais e acessórias e definindo em pormenor o papel que ela deve desempenhar na tarefa de facilitar a cooperação entre os Estados-Membros e a Comissão no que se refere:
- à criação e funcionamento do centro europeu de dados de identificação e acompanhamento de navios a longa distância da União Europeia e do SafeSeaNet;
- ao fornecimento de dados pertinentes em matéria de posicionamento dos navios e de observação da Terra às autoridades nacionais e aos organismos da União competentes; e
- à prestação de apoio operacional a Estados-Membros na realização dos inquéritos a acidentes graves ou muito graves.
3. Terceiro pacote de segurança marítima e inspeção pelo Estado do porto
Após intensas negociações, o Parlamento e o Conselho chegaram a acordo em dezembro de 2008 relativamente a um terceiro pacote legislativo que comportava dois regulamentos e seis diretivas:
- Uma reformulação da diretiva relativa à inspeção de navios pelo Estado do porto (Diretiva 2009/16/CE, de 23 de abril de 2009), de modo a assegurar inspeções mais eficazes e frequentes através de novos mecanismos de inspeção determinados em função de perfis de risco, integrando assim os procedimentos, instrumentos e atividades do memorando de entendimento de Paris no âmbito de aplicação do Direito da UE;
- A Diretiva 2009/21/CE, de 23 de abril de 2009, relativa ao cumprimento dos deveres do Estado de pavilhão, que visa controlar mais eficazmente o cumprimento das normas internacionais pelos navios que arvoram pavilhão de um Estado-Membro;
- A Diretiva 2009/17/CE, de 23 de abril de 2009, que altera a diretiva relativa à instituição de um sistema comunitário de acompanhamento e de informação do tráfego de navios, que visa a melhoria do quadro regulamentar no que diz respeito aos locais de refúgio para navios em perigo e o desenvolvimento do sistema SafeSeaNet;
- O Regulamento (CE) n.º 391/2009 e a Diretiva 2009/15/CE de 23 de abril de 2009, relativa às regras comuns para as organizações de vistoria e inspeção de navios, visando a introdução de um sistema de controlo de qualidade independente para eliminar as deficiências ainda existentes nos processos de inspeção e certificação da frota mundial;
- A Diretiva 2009/18/CE, de 23 de abril de 2009, que estabelece os princípios fundamentais que regem a investigação de acidentes, definindo os princípios comuns para a realização de inquéritos marítimos sobre acidentes e incidentes no mar que envolvam navios com pavilhão de um Estado-Membro da União e ocorram no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado-Membro; criou também um sistema de partilha de resultados, o chamado quadro de cooperação permanente entre a AESM, a Comissão e os Estados-Membros;
- O Regulamento (CE) n.º 392/2009, de 23 de abril de 2009, relativo à responsabilidade das transportadoras de passageiros por mar em caso de acidente (baseado na Convenção de Atenas de 1974, relativa ao transporte por mar de passageiros e respetiva bagagem, com a redação dada pelo Protocolo de 2002);
- A Diretiva 2009/20/CE, de 23 de abril de 2009, visa especificar as condições de controlo do Estado do porto em relação aos certificados de seguro dos proprietários de navios em matéria de créditos marítimos (sujeitos a limitação ao abrigo da Convenção sobre a Limitação da Responsabilidade em matéria de Créditos Marítimos (LLMC) de 1976, alterada pelo Protocolo de 1996).
O papel do Parlamento Europeu
O Parlamento tem apoiado as iniciativas respeitantes à segurança marítima e contribuído para os avanços conseguidos nesse domínio. Os dois pacotes de medidas «Erika» mereceram o apoio do Parlamento, o que contribuiu para a sua rápida conclusão e garantiu a introdução de melhorias nas propostas iniciais. O PE solicitou ainda a criação de uma guarda costeira europeia, a pilotagem em zonas marítimas ecologicamente sensíveis e de navegação difícil e uma estrutura transparente de decisão e de comando nos Estados-Membros para fazer face a situações de emergência marítima (em especial, no que respeita à designação vinculativa de um local ou porto de abrigo).
No âmbito da revisão da Diretiva relativa ao sistema comunitário de acompanhamento e de informação do tráfego de navios (SafeSeaNet), o Parlamento assegurou que os Estados-Membros fossem obrigados a designar uma autoridade competente com poderes para tomar decisões para determinar qual a melhor forma de evitar um desastre e que porto deverá acolher um navio que necessite de assistência.
O enquadramento legal para os portos de abrigo — algo que o PE já solicitou em diversas ocasiões anteriores — é considerado um requisito sine qua non para uma maior segurança marítima. No tempo que decorreu entre o primeiro e o terceiro pacotes de segurança marítima (nomeadamente através da atividade da sua Comissão Temporária para o Reforço da Segurança Marítima (MARE)) em 2004, o Parlamento Europeu foi a força impulsionadora das melhorias visíveis que tornaram mais segura a circulação de navios.
Na sua resolução sobre a AESM, o Parlamento exortou a que as respetivas atividades fossem alargadas. Mais especificamente, recomendou que os seus sistemas de controlo do tráfego possam contribuir para um espaço marítimo europeu sem barreiras, possibilitando assim o transporte marítimo de mercadorias e passageiros entre Estados-Membros sem mais formalidades do que as aplicadas ao transporte rodoviário. O Parlamento – ao adotar com o Conselho o Regulamento (UE) n.º 911/2014, de 23 de julho de 2014, relativo ao financiamento plurianual das atividades da AESM no domínio do combate à poluição marinha causada por navios e por instalações petrolíferas e gasíferas — contribuiu para conferir à AESM uma dotação financeira de 160,5 milhões de euros para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020.
Em 2018, a Comissão publicou uma proposta de regulamento que estabelece um ambiente de plataforma única europeia para o setor marítimo e que revoga a Diretiva 2010/65/UE. Após adoção pelo Parlamento e pelo Conselho, o Regulamento (UE) 2019/1239 foi publicado no Jornal Oficial em 25 de julho de 2019.